O inventor do celular não é usuário compulsivo de sua criação. Mas faz fila no lançamento do iPhone

VOVÔ HIGH-TECH?
Cooper acha que seu cérebro não está preparado para todas as funções do celular. Raramente manda mensagens de texto e desliga o aparelho ao chegar em casa. "Não sinto a necessidade de estar disponível", diz

O americano Martin Cooper acorda pontualmente às 5h40, calça um par de chinelos confortáveis e se senta na sacada de casa, uma das mansões mais deslumbrantes de São Francisco. Encravada na lateral de uma rocha, no topo de uma colina, a casa é suspensa por vigas de aço e parece flutuar sobre o pacífico. É lá que o engenheiro de Chicago diz ter tido a maior idéia de sua vida.

Tudo aconteceu depois da granola, do iogurte e da geléia de morango, cardápio que se repete há cerca de 30 anos. Cooper pegou o papel, desenhou alguns pontos e rabiscou algo que só ele era capaz de entender. Franziu as sobrancelhas, roeu as unhas, amassou tudo com raiva e arremessou no cesto de lixo. Pegou outra folha. Parou. Olhou para o horizonte. Percorreu a janela com o olhar de um lado ao outro. Pensou por duas horas. Escreveu, apagou, escreveu. Tentava criar um sistema que permitisse transmitir voz por sinal de rádio, trocando de uma antena para outra.

A idéia de Cooper se tornou real no dia 3 de abril de 1973, quando o engenheiro fez a primeira ligação pública de um celular. Estava na esquina da Rua 56, em Nova York. Ligou para outro celular na Avenida Lexington, a poucos quilômetros dali. "A bateria de meu aparelho tinha autonomia para até 20 minutos", diz Cooper. "Quem não agüentou foi meu braço". O celular pesava 1 quilo. Cooper o segurava com as duas mãos. As medidas eram desproporcionais até para o tijolão Motorola que conhecemos no início dos anos 90. O telefone tinha 25 centímetros de comprimento, quase o tamanho de uma folha de papel sulfite A4 cerca de 3 centímetros de espessura e 7 centímetros de largura.

A sacada de Cooper foi criar um meio de comunicação móvel, que pudesse conectar pessoas sem que elas estivessem em um espaço físico determinado. A novidade transformou a sociedade. Os aparelhos encolheram, as telas espicharam, a internet chegou ao celular. "É muita coisa para um velho como eu", diz Cooper, que tem uma coleção de mais de 270 aparelhos em sua casa. O velhinho de barbas brancas aguardou ansioso a chegada do iPhone (na verdade, era o número 325 na fila de compradores, mas passou na frente porque é idoso).

Cooper não faz parte do mundo conectado. Ele fala como um cientista e está na vanguarda do conhecimento. Mas não é um usuário compulsivo de sua criação, como poderia se deduzir. "Meu cérebro não é igual ao seu", disse, por telefone. "Não sinto a necessidade de estar disponível o tempo todo".

Cooper diz que não gosta de ser encontrado em todos os lugares. Mas que nos últimos anos mudou de atitude, obrigado pela mulher. "É aquela preocupação de velho: será que ele caiu? Será que está passando mal?", diz, parecendo estar satisfeito com o cuidado. Cooper não sai de casa sem o iPhone pendurado no pescoço.

O senhor que completará 80 anos no dia 26 de dezembro mandou mensagens de texto poucas vezes na vida. Da última vez foi em uma reunião de negócios. "Sofri para digitar as letrinhas", afirma. Também já enviou fotos pelo celular, mas, como ele diz, "foi puro exibicionismo". Hoje, o principal executivo da ArrayComm, empresa que desenvolve antenas de celular, desliga o aparelho quando chega em casa. "Não sinto falta dele", diz. "E acho que não vai dar tempo de mudar de idéia, né?"