Acredito que é impossível pesar e medir – sem o risco de errar – o valor intrínseco de qualquer personalidade que peregrina (ou já peregrinou) pelo planeta Terra, sobretudo se esta ultrapassa os parâmetros comuns. Hoje, vou relembrar a felicidade e honra de ter convivido, durante os meus dourados anos de universidade (RJ), com o meu Reitor, figura singular e culta, cujo nome ressoa em meu espírito movido pelo pensamento do Padre Antonio Vieira: “A gratidão é a memória do coração”. Refiro-me ao Prof. Pedro Calmon (1902-1985) polígrafo, orador excelente, generoso, aristocrata do espírito. Aliás, esta é a verdadeira aristocracia, porque a dos brasões e a das árvores genealógicas, se não valorizam a cultura ou não praticam a solidariedade, o amor ao próximo, ou não abraçam as grandes causas sociais, não passam de bolhas de sabão ou simples ouropel efêmero!
Tenho grande recordação dele, desde quando fui trabalhar na Reitoria da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro), localizada na Avenida Pasteur, nº 250, servindo na Biblioteca Central. Pude, desta forma, acompanhar pari-passu durante 5 (cinco) anos a trajetória brilhante do meu mecenas e, por isto mesmo, guardo gratas lembranças, algumas de muita generosidade e outras bem hilariantes, por exemplo: Naquela Reitoria, havia sido inaugurada, na década de 1950, uma galeria de baixos-relevos de grandes próceres e benfeitores da humanidade, por sugestão da escritora chilena Marta Elba Miranda, também servidora universitária. Certo dia, houve a colocação da efígie de uma alta personalidade da América Central, de cujo nome não me lembro. A cerimônia, realizada no pátio interno, foi precedida do hasteamento da bandeira do respectivo país e seguida dos discursos encomiásticos. Pois bem: justamente quando o pavilhão era alçado, eu ouço o embaixador estrangeiro sussurrar ao ouvido do Prof. Calmon: “Magnífico Reitor, esta bandeira não é do meu pais!!!” Ao que o nosso Reitor lhe esclareceu incontinenti: “Desculpe, Excelência, é que o funcionário do Cerimonial entrou de férias e o substituto é daltônico!” Era, como também se pode ver, um arquimilionário de presença de espírito!
Muitos anos depois, já sendo eu professor universitário em Goiânia (GO) li, nos jornais, que durante o golpe militar de 1964, a soldadesca exaltada havia tentado penetrar numa das faculdades para onde o Reitor havia partido em socorro e defesa dos alunos ali homiziados. Na porta de entrada, o Reitor, muito cônscio de sua força moral e da sua condição de protetor, no limiar, foi logo gritando: “Alto lá, senhores, aqui só entra quem passa no vestibular!”
Muitos anos depois, nos reencontramos na qualidade de membros da Comissão Nacional da UNESCO/IBECC (Ele, como Reitor e eu como presidente da Comissão Nacional de Folclore). Um pouco abatido, após rigoroso tratamento de saúde. Nossa conversa, no intervalo da sessão, foi descontraída e enaltecedora, porque, à certa altura ele me confessou:
“Ático, meu caro, a minha maior felicidade é nunca ter feito mal a ninguém durante toda a minha vida!” Ao que lhe arrematei: Prof. Pedro Calmon, eu sou testemunha de que o senhor sempre se empenhou em fazer o bem!
Aquele foi o nosso último encontro, antes de sua partida para a Eternidade! Conheci um grande homem, além de ter conhecido um coração muito generoso!
