A norma, constitucional ou legal, que proíbe o menor de 14 anos trabalhar pode ser boa ou ruim porque nem sempre se consegue atender aos mais diversos interesses das pessoas, individual ou coletivamente.
Boa, por colocá-lo a salvo das atividades perigosas, insalubres, penosas, ou que comprometam o seu desenvolvimento físico e mental e o desempenho escolar. Ruim, por impedi-lo de aprender um ofício, de adquirir bem cedo a noção de dignidade e valor do trabalho e de contribuir economicamente para o lar, evitando também oportunidades negativas criadas pela ociosidade (dizem que "cabeça vazia é oficina do capeta" ou "o diabo dá ocupação às mãos vazias").
Treze é menor que quatorze, expressão matemática que os homens usam para medir a sua existência imprecisa em anos-vida, mas a diferença quanto à sua formação pode nem mesmo existir, mesmo porque treze anos e 11 meses também é menor que quatorze.
Mais importante do que a lei, é podermos contar com um bom aplicador dela. A lei em si mesma é expressão fria da ordem jurídica à qual nos submetemos todos. Quase uma bobagem, se não receber adeqüada interiorização e tratamento por um cérebro bem oxigenado e com plenitude dos neurônios, especialmente os sensoriais.
O juiz Evandro Pelarin, que autorizou o adolescente de 13 anos Carlos Henrique a trabalhar como aprendiz em oficina mecânica de Fernandópolis, conhece a vedação legal. Melhor que isso, demonstrou conhecer além do direito, a sociedade e a realidade que nela se insinua. Afinal, o direito é um mundo de símbolos, como os números que indicam a idade da pessoa. Já o homem é uma realidade, como a vida de todos.
Sempre tivemos em conta que os juízes devessem possuir mais sabedoria do que conhecimento jurídico. Julgar é arte que não se adquire em bibliotecas, mas em torno ou fora delas. Podem acumular conhecimentos, mas isso não os qualificam como sábios. Podem ser cultos, sem sabedoria para utilizar esses conhecimentos em proveito da atividade jurisdicional. A sabedoria é prudência, moderação, temperança, sensatez e reflexão. A inteligência é um dom, mas não é uma finalidade em si.
A sabedoria enseja a conduta razoável, equilibrada, ponderada na análise de cada caso onde viu o juiz, junto com os membros do Conselho Tutelar, ser bom para o garoto e sua formação, e também para a família. Disse a mãe, "não tive problema nenhum em casa ou na escola. Ele até melhorou. Ficou mais responsável". É fruto de decisão proferida com coragem moral e social, virtudes muito raras.
A decisão do juiz Pelarin foi simplesmente sábia, com a visão de mundo de quem se coloca no interior de uma grande casa com todas as janelas abertas. Essa sabedoria não é compartilhada pela Procuradoria Regional do Trabalho que quer impedir o menino de trabalhar, através de recurso judicial para cassá-la. Coloca-se fora da grande casa e consegue enxergar apenas o seu interior nos limites de cada janela. E, pior: ingressou com ação civil pública na Justiça do Trabalho contra o empregador que, graças àquela autorização, arranjou trabalho para o adolescente!
A lei deve ser sempre rigorosamente aplicada, ainda que pereça o mundo? A Procuradoria quer proteger o menino ou proteger a lei? Quer proteger uma realidade da vida ou um símbolo? O manejo da ação judicial pela Procuradoria Regional do Trabalho agora desafia a sabedoria do juiz do Trabalho, para quem nos resta rogar toda a proteção dos céus.
É de se pensar: se o menino melhorou e ficou mais responsável, o quê mais poderia pretender a Justiça dos homens?